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Safra 2024 de lagosta reflete modelo sustentável, mas podemos melhorar



Embora não tenha sido tão produtiva quanto poderia, a temporada do ano mostrou ser possível garantir a sustentabilidade ambiental da pesca.

 

O texto a seguir foi redigido por Laís Belsito, oceanógrafa e mestre em gerenciamento costeiro, que atua como Assessora Técnica Científica da Associação Brasileira das Indústrias de Pescados (Abipesca). Neste artigo, Laís analisa a safra de 2024 da lagosta, destacando a sustentabilidade do modelo de gestão implementado e sugerindo possíveis aprimoramentos para otimizar a pesca de maneira ambientalmente responsável e economicamente viável.

 

Mais uma temporada de pesca de lagostas chega ao fim. Entretanto, a safra de 2024 certificou o que já sabíamos: nossa pescaria é sustentável. Iniciamos a temporada deste ano com a implementação de um limite de captura de até 6.192 toneladas para as lagostas vermelhas e verdes, uma medida de gestão cientificamente fundamentada e alinhada aos modelos de gestão praticada em inúmeros países com tradição em pesca de lagostas.

 

Contudo, poderíamos ter pescado muito mais dessa quantia, mas encerramos a temporada produzindo pouco mais de 4.900 toneladas. Essa produção está quase uma tonelada abaixo do gatilho de 95% do limite, definido como um marco para encerrar as pescarias caso fosse alcançado, o que esteve longe de acontecer.

 

O novo modelo de controle e monitoramento da produção de lagostas trouxe transparência aos dados com a publicação de um painel de monitoramento dos volumes recepcionados nas indústrias. O painel, que pode ser potencialmente aprimorado, representa um avanço na nossa gestão pesqueira, já que pavimenta as discussões sobre os regramentos dessa pesca.

 

Somos o único País onde a temporada de pesca dura apenas seis meses. Nos países do Caribe, as temporadas duram ao menos sete meses. Os períodos de defeso são curtos, de três a quatro meses, em algumas regiões. A atual temporada de pesca de lagostas na Flórida vai durar quase oito meses, entre agosto de 2024 e março do próximo ano. Pescamos as mesmas espécies de lagostas que esses países, embora nosso período de fechamento da pescaria seja muito maior.

 

É preciso rever a duração da nossa temporada. O esforço de pesca já foi contido, a frota está fechada e tem um potencial de captura reduzido, cristalizado no tempo. É uma pescaria com pouquíssima tecnologia empregada, isso a torna muito suscetível às intempéries climáticas. Ventos e marés, quando desfavoráveis, inviabilizam os cruzeiros de pesca. Isto está refletido na produção deste ano, que ficou bem abaixo do que poderia ter sido.

 

Uma pescaria tão cultural e com tanto impacto social e econômico, como a da lagosta, precisa de uma gestão que alinhe a conservação do recurso com o desenvolvimento da atividade de forma eficiente. O atual modelo de ordenamento se mostrou funcional em garantir o controle do esforço de pesca e a captura nos limites sustentáveis. Mas precisamos de aprimoramentos. Agora que há controle sobre a produção, a gestão precisa ter um olhar de fomento para a atividade.

 

Expandir a temporada de pesca se mostrou possível, porém a frota precisa ser trazida à luz da conformidade. Regularizar e modernizar as embarcações, tornando-as mais eficientes no aproveitamento do pescado e aprimorando a rastreabilidade do produto. Isso fortalece a cadeia produtiva, trazendo avanços na qualidade da matéria-prima que chega às indústrias.

 

A cada temporada são gerados mais empregos e renda para as comunidades com tradição pesqueira. Durante o período de pesca ocorre monitoramento da atividade, as embarcações são rastreadas, todas informam sua captura pelos Mapas de Bordo (que estão cada vez mais detalhados) e as empresas declaram a sua produção através do novo sistema de controle, implementado de forma conjunta pelos Ministérios da Pesca e Aquicultura e do Meio Ambiente e Mudança do Clima.

 

Os instrumentos de monitoramento pesqueiro dão suporte à fiscalização, como os sistemas de rastreamento da frota e de declaração de dados de produção e processamento, mas carecem de ações que promovam sua aderência, sobretudo entre o segmento da captura. O aprimoramento desses instrumentos de forma conjunta com o avanço da fiscalização norteará uma gestão ambientalmente segura e desenvolvimentista.

 

O combate ao crime ambiental organizado deve ser intensificado. É durante o defeso que as ilicitudes se acentuam, fomentadas pelo comércio ilegal e pelo consumo inconsciente e irresponsável. Porém as infrações são cometidas durante o ano todo. Falta planejamento por parte dos agentes de fiscalização para coibir a oferta de indivíduos abaixo do tamanho mínimo no setor varejista. Restaurantes, bares, hotéis e barracas de praia vendem indivíduos juvenis principalmente na alta temporada turística – período em que qualquer comercialização no mercado interno é expressamente proibida. A pesca não declarada e que se usa de práticas irresponsáveis é atualmente a maior ameaça à sustentabilidade dos nossos estoques pesqueiros, mas é fomentada por esse comércio ilegal e que não tem controle algum.

 

Embora não tenha sido tão produtiva quanto poderia, a temporada de 2024 mostrou ser possível garantir a sustentabilidade ambiental da pesca da lagosta. Isso aponta para onde devemos avançar a partir de agora: aprimorar os instrumentos de gestão pesqueira, fortalecer o ordenamento com vistas ao fomento da atividade e combater o comércio ilegal do recurso. Não é razoável que as medidas de controle permaneçam focadas apenas às indústrias exportadoras. Sem uma fiscalização direcionada ao esquema de capilaridade das capturas ilegais (que ficam no mercado interno e circulam pelos principais polos turísticos do Nordeste) não haverá a plena recuperação do recurso.


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